Escrita por: Amanda Kassis
Um robô rebelde que só quer assistir à sua novela em paz e, ocasionalmente, criticar a burrice humana: conheça a Unidade de Segurança 238776431, carinhosamente autoapelidada de "Murderbot", estrela da nova série da Apple TV+ que tem uma proposta nada convencional dentro da ficção científica.
O streaming da Apple sempre apostou em ambiciosos projetos de sci-fi, possuindo diversos títulos de sucesso em seu catálogo, como 'Silo' (2023) e 'Severance' (2022), e agora aposta na saga best-seller 'The Murderbot Diaries', de Martha Wells, para inovar no gênero. 'Murderbot' ('Diários de um Robô-Assassino', no Brasil) é brilhantemente estrelada por Alexander Skarsgård, também envolvido como produtor executivo junto aos irmãos Weitz, que interpreta um ciborgue auto-hackeado que só quer ser deixado em paz com seu recém-adquirido livre arbítrio.
Em cenários futurísticos coloridos, algo incomum para o gênero, o protagonista se mostra a personificação do meme "já olhou para uma pessoa e pensou: o que será que passa na cabeça dela?" — exceto que Murderbot não é tecnicamente alguém. Sendo uma mistura de peças orgânicas clonadas, metal, sarcasmo e um supercomputador como cérebro, a sua missão é proteger humanos sem senso de autopreservação que partem em missões perigosas. Ele pertence à Corporation Rim, uma entidade formada por corporações privadas que são donas de planetas, estações espaciais e responsáveis por atividades econômicas duvidosas para prosperarem na galáxia.
No episódio piloto, titulado “Freecommerce”, ocorre uma missão de mineração, na qual Murderbot passa o tempo todo descobrindo como se auto-hackear e, ao obter êxito, revela um universo de possibilidades ao seu alcance… Porém, nada é tão simples assim. É como o típico balde de água fria que todo jovem-adulto leva ao perceber que com a maioridade vem a liberdade, mas os boletos também. Ao pensar que finalmente terá um descanso, acaba sendo enviado em uma nova missão, em algum sistema solar aleatório, onde o protagonista se vê com um grupo peculiar de humanos — descrito como um bando de hippies — que colocam seu segredo em risco.
Desde o começo, a narrativa é conduzida pelo ponto de vista de Murderbot, que, curiosamente, se mostra mais humano do que muitos. Os seus comentários sarcásticos se misturam à boas doses de ansiedade social quando obrigado a interagir com as pessoas que foi designado a proteger. Dentro de sua mente — leia-se, seu sistema de IA —, não há filtros, sendo alimentado pelo alto fluxo de informações que recebe de cada câmera, satélite e computador ao seu redor, tornando-o onipresente. Ele sabe demais, julga mais ainda e possui uma aversão profunda às emoções humanas, sem se dar conta de que as sente.
Ao afirmar que não se importa com o grupo ao seu redor, mas optar por passar milhares de horas assistindo à sua novela favorita — obcecado pela explosão de cores neon, o roteiro exagerado e as relações entre os personagens —, Murderbot escancara essa hipocrisia tão tipicamente humana. Ele associa emoções à fraqueza, o que vai contra o seu dever de proteger, porém consegue explorar tais sentimentos indiretamente via o bom e velho entretenimento. Alguém se identificou?
Já o segundo episódio, ‘Eye Contact’, mostra um lado ainda mais vulnerável do personagem de Skarsgård, forçando-o a processar os sentimentos associados a estar nos holofotes, cuidadosamente sendo analisado e, pela primeira vez, visto como algo além de um “equipamento” pela equipe peculiar de pesquisadores liderada pela Drª. Mensah (Noma Dumezweni). Consequentemente, a ansiedade social o acerta em cheio e não há quantidade suficiente de humor ácido que possa protegê-lo nos confins de sua mente.
O que é pensar? O que é sentir? É preciso ser carne e osso para ser alguém ou metal e linhas de código podem resultar em “gente”? E se um ciborgue for capaz de tudo isso, os desejos dele importam? Essa não é a primeira produção sci-fi a explorar as possibilidades oriundas da consciência de uma IA. Entretanto, é a primeira vez que um protagonista parece querer negar a identidade que vem com sua consciência ao invés de lutar para ser rotulado como “alguém”. Quando é confrontado com a presença desse grupo de humanos tão singulares, que interrompem seu simples desejo de assistir a novelas, resta saber se o meio faz o homem [ou o robô?] ou se ele é apenas um pedaço de metal proficiente na arte de imitar seus criadores — e somente o decorrer da trama pode revelar a solução para tal paradoxo.
Quer conferir? ‘Murderbot’ estreia com 2 episódios de 30 minutos nesta sexta-feira, 16 de maio, e o restante da temporada contará com lançamentos semanais até 11 de julho, exclusivamente na Apple TV+. À convite do streaming, o BDS News disponibilizará a review de cada episódio após seu lançamento.
Nota: 7,5